quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O futebol de rua, a criatividade e os treinos de formação



Hoje em dia fala-se muito na falta das brincadeiras na rua ou no “campo do bairro” e como isso prejudica a imaginação dos jovens futebolistas. Que o treinador tem que trazer o futebol de rua para o treino e que deve dar liberdade aos seus jogadores para “darem asas” à sua imaginação.





Eu concordo plenamente com esta linha de pensamento. Não só agora, mas desde sempre. O que acredito acima de tudo é que os treinadores não devem desvirtuar o jogo durante o treino, em cada exercício o futebol (o jogo) deve estar presente e nunca ir contra a sua essência.
Muitos treinadores de formação tentam implementar um tipo de jogo de posse, em que privilegiam o passe curto, poucos toques na bola e que tem como objetivo chegar ao golo de forma segura e organizada. Para isso fazem muitos exercícios com limites de toques (3, 2 e às vezes até 1), muitos jogadores de equipas seniores não tem capacidade técnico-tática para fazer um exercício destes com qualidade, um jogador benjamim ou infantil vai ter? Muitas vezes obriga-os a fazer movimentações e posições corporais pouco ortodoxas e que nada têm a ver com o jogo, 3 toques muitas vezes é o que necessitam para receber uma bola com qualidade. Tira-lhes criatividade porque não podem fazer um drible, ou receber orientado e levantar a cabeça para fazer um passe de rutura. Mas fundamentalmente, tira-lhes a possibilidade de cumprirem o princípio da progressão, tendo espaço para a baliza não podem progredir para o golo porque têm uma limitação de toques. Faz sentido?

Outro tipo de exercício que vejo muito frequentemente é a obrigatoriedade de variação do centro de jogo, onde a equipa precisa de ir a um apoio lateral e ao outro antes de ir para a baliza. Mais uma vez estamos a limitar a criatividade dos jogadores, que não podem ganhar a bola e fazer rapidamente um remate ou descobrir um último passe, muitas vezes ganham bola na posição central e em vez de irem para a baliza como seria espetável têm que ir aos apoios.

Este tipo de exercícios limita a criatividade dos jogadores e cria-lhes hábitos muito difíceis de tirar mais tarde e que deturpam a sua interpretação do jogo. O objetivo é que os nossos jogadores percebam o jogo e tomem uma boa decisão em função do que está a acontecer naquele momento. Têm que ter o poder de escolha como no jogo, e quanto mais escolhas mais próximo do jogo estaremos.

Uma forma de contornar a situação dos apoios seria duplicar ou triplicar a pontuação sempre que haja golo depois de uma variação do centro de jogo. Existe a escolha, eu posso ir para a baliza e marcar logo ou variar o jogo. Inicialmente vão haver menos variações, mas eles vão percebendo que lhes trás vantagem e o objetivo do treinador vai aparecendo aos poucos.
Quanto ao limite de toques parece-me que só será boa opção se for para limitar um apoio ou joker, quando queremos que joguem de forma mais rápida e diminuam a condução com bola; criar inferioridade numérica e aumentar por exemplo os apoios por fora permite-nos essa dinâmica. Os exercícios serão muito mais apelativos para os jovens e haverá mais magia no treino!


Horst Wein tem um artigo bastante interessante sobre este assunto chamado “How to Develop Creative Players”. Neste artigo ele apresenta-nos algumas dicas de como poderemos tornar os nossos jogadores mais criativos e algumas razões para eles terem cada vez menos essa capacidade. Sumariamente:





  • “Declarar guerra ao 11vs11” – Segundo Wein o jogo a 11 não permite aos jogadores jovens intervir vezes suficientes para utilizarem a sua criatividade e fazerem coisas diferentes; 

  • “Deixar os jogadores jogar sem correção constante” – A correção constante aumenta a pressão sobre os jogadores, devem jogar o jogo pelo jogo e não sempre com objetivos impostos pelo treinador;

  • “Insistir que todos os jogadores jogam em todas as posições e em espaço reduzido” – Cada posição tem funções e relações diferentes com os colegas e com as zonas do campo, os jogadores devem passar pelas experiências mais variadas possíveis;

  • “Lembrar que apenas os que se divertem conseguem ser criativos” – a imposição de objetivos e padrões de comportamento produz conhecimento rígido que bloqueia a liberdade de pensamentos e movimentos;

  • “Deixar os jogadores criar os seus próprios jogos e regras” – durante uma pequena parte do treino dar aos jogadores um tempo para inventarem um jogo ou fazerem o jogo que gostam mais, aumenta a sua imaginação, o seu sentido de responsabilidade e a sua capacidade de iniciativa;

  • “Desafiar os jogadores a correr riscos e melhorar sem temer consequências” – jogadores jovens dos 7 aos 12 anos não devem pressionados para passar a bola, devem ter permissão para “estar apaixonados pela bola” para melhorar a sua relação com a bola e tomarem riscos sem temer consequências.

Como criar um modelo de jogo consistente?




Quem gosta de ser treinador de futebol e tem o constante desejo de melhorar deve para além da aprendizagem através dos livros, dos estágios, entre outras formas de aprendizagem, deve também ver muitos jogos de futebol como treinador e não como um simples espetador, já que esta é uma das melhores formas de percecionar novas tendências evolutivas do jogo e assim escolher uma ideia ou aperfeiçoar uma ideia de jogo favorita ou que corresponda às características dos jogadores que orienta.


Por isso, e para começar a falar do tema que questiono no título, quando nós observamos um conjunto de jogos de equipas treinadas por Guardiola, Jorge Jesus ou Lopetegui por exemplo, verificamos que de jogo para jogo, os princípios que sustentam a sua ideia de jogo nos diferentes momentos (atacar, defender, transitar) mantêm-se consistentes e os jogos “fluem” sem grandes oscilações de rendimento de acordo com esses princípios.




Então como chegar a esses modelos consistentes? Porque é que alguns treinadores chegam a esses modelos consistentes e outros não? O que é realmente um modelo de jogo consistente?
Em primeiro lugar, é fundamental uma apresentação teórica e de uma forma simplista das grandes ideias da tua forma de jogar a atacar, defender e nos momentos de perda e recuperação da bola. O uso de frases, vídeos de equipas-modelo, esquemas, etc. parece-me uma excelente forma dos jogadores entenderem aquilo que se pretende para a forma de jogar.
Em segundo lugar, o treinador deve construir um processo de treino planeado para chegares ao tal modelo de jogo consistente. Como construir? Quais os passos?


1- Operacionalização (treinos/exercícios) inicial com incidência total na tua forma de jogar, e nas fases do jogo em que o treinador dá mais importância no seu modelo de jogo, com o objetivo claro de os atletas tomarem consciência e posteriormente um hábito adquirido (subconsciência) dos comportamentos coletivos e individuais da sua equipa. É óbvio que este processo pode demorar semanas ou meses ou pode mesmo não acontecer;

2- Depois de consolidares a tua forma de jogar e os teus jogadores subconscientemente praticarem aquilo que se quer, o treinador deve tirá-los da “zona de conforto” que é a sua forma habitual de jogar e provocar dificuldade, complexidade aumentada, variabilidade na operacionalização. Como? Provocar no treino aquilo que as equipas adversárias vão tentar fazer para derrotar o nosso modelo vitorioso/consistente e provocar no treino a grande imprevisibilidade que o jogo pode ter dentro da previsibilidade que se quer que seja a tua forma de jogar;






Depois, existe um fator que será talvez o mais importante na construção de modelos consistentes que é o facto de a ideia do treinador só ser bem-sucedida se treinada e se criar emoções positivas nos jogadores, isto é, os jogadores têm de acreditar naquilo que fazem para a aprendizagem acontecer, o comportamento tornar-se um hábito consciente e depois subconsciente. Eu escrevo à direita porque me habituei a escrever com essa mão e fui bem sucedido e tive a minha mãe a motivar-me, se eu começar a escrever à esquerda, habituar-me e se me derem um feedback ainda mais positivo e motivador do que a minha mãe me dava eu começo a acreditar que escrevo melhor à esquerda. Portanto é preciso crença, aceitação e sucesso na ideia de jogo do treinador.




Como treinador considero estes os passos essenciais para a construção de um modelo de jogo consistente que normalmente não acontecem na grande maioria das equipas porque o problema está na operacionalização referida acima e na dificuldade em criar uma relação treinador-atleta positiva e emocional. Essencialmente, os treinadores “dão passos maiores que a perna” na operacionalização inicial, não consolidando comportamentos ora porque são pressionados com resultados ora porque se pressionam a si próprios e aos seus jogadores por quererem jogar o seu “jogar” em 1-2 treinos ou 1-2 semanas. Se a direção do Barcelona fosse “resultadista” e se Pep Guardiola não continuasse crente e fizesse acreditar aos seus jogadores que era possível chegar ao suposto tiki-taka não teríamos chegado ao melhor futebol de todos os tempos (a minha opinião) e teríamos Guardiola despedido à 4ª ou 5ª jornada.

Para finalizar o que são realmente modelos de jogo consistentes? Na minha opinião são aqueles que ganham mais jogos mas principalmente são aqueles que em momentos cruciais de uma época estão preparados a todos os níveis, seguindo uma ideia de jogo clara e adaptando-se constantemente às dificuldades que o adversário lhes poderá colocar. Um exemplo que vos posso dar é o de Pep Guardiola no Bayern que é apenas o treinador mais titulado do mundo na última década e que revolucionou o jogo. Será que a sua equipa estava preparada para a eliminatória da Liga dos Campeões em que o Bayern foi eliminado pelo Real Madrid de forma categórica nas meias-finais em 2013/2014 (vitória do Real 1-0 em casa e vitória 4-0 fora)? Na minha opinião não porque o Bayern tinha uma forma de jogar bastante consolidada (operacionalização em função da sua ideia) mas depois não promoveu contextos de treino que adaptassem essa forma de jogar aquilo que seria o Real Madrid nesses jogos. Nesse dia, e sendo Pep Guardiola um treinador tão perfecionista, ele percebeu que o seu modelo de jogo não era totalmente consistente. 
 
E daí falarmos em modelos inacabados, em constante evolução!




quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Não planear é planear para falhar

Nesta publicação decidi falar um pouco da nossa experiência na formação, como planeamos a nossa época em termos de conteúdos. No nosso escalão estabelecemos um método de trabalho comum às 3 equipas. Elaboramos um plano de conteúdos, tendo em conta as 5 vertentes (psicológica, física, social, técnica e tática), que têm que ser abordados durante o ano. Um pouco como a planificação de conteúdos que um professor tem que fazer no início do ano numa escola.

Este planeamento é feito de acordo com a idade, o nível de competência que os atletas têm e o nível que queremos que tenham no final da época. E serve como um documento orientador de todo o nosso trabalho.







Neste documento estão conteúdos teóricos do futebol que podem ser encontrados em qualquer livro. Mas mais importante que isso, estão os princípios e a nossa ideia de jogo, aquilo que pretendemos para as nossas equipas. Apesar de os exercícios variarem entre treinadores os princípios metodológicos são semelhantes e partilham todos uma ideia comum.

Até aqui tudo bem, provavelmente é ou deveria ser um procedimento habitual em todos os clubes de formação. Mas eu gostava de frisar porque é que deveria e qual a sua importância.

Este pequeno documento se bem aplicado permite que todas as equipas que o utilizam tenham uma identidade semelhante e cria uma cultura de clube. A integração dos atletas que vêm de uma equipa para outra dentro do clube é muito mais fácil. Temos a certeza que abordamos todos os conteúdos importantes para a formação integral dos nossos atletas e reparamos e corrigimos erros que, de outra forma, se não estivéssemos a dissecar os conteúdos nunca teríamos detetado e corrigido.





É, sem dúvida, uma ferramenta muito importante, que deve ser completada e dividida em mesociclos pelo treinador. Quanto mais aprofundado for, mais útil será, mais preparados estarão os jogadores e mais completo será o trabalho do treinador.

Mas será este tipo de planeamento apenas útil para a formação? Na minha opinião não. Para mim um treinador é um psicólogo, é um líder, um preparador físico, um gestor, é uma junção de muitas outras coisas, mas acima de tudo é um professor.




Todo o treinador, tal como na formação, tem uma variedade de conteúdos e princípios da sua ideia de jogo que precisa de ensinar aos seus jogadores. Precisa de hierarquizar esses conteúdos e de os distribuir cronologicamente ao longo da época, dos mais importantes (ou mais urgentes) para os menos porque tem que pôr a equipa a ganhar o mais rápido possível.






Para mim o erro de muitos treinadores de equipas seniores é descartarem-se do seu papel de professor, como se os seus jogadores por terem vinte e poucos, trinta e mesmo trinta e muitos não tivessem nada para aprender. Muitos destes jogadores dão erros simples, nos princípios mais básicos que existem que nunca foram corrigidos e que decidem jogos. E mesmo um jogador completo, com uma boa formação precisa de entender e apreender a visão do jogo do treinador para jogar em sintonia com os seus colegas.

Treino Psicológico! Como fazer! Como treinar! Como tirar rendimento!

Treino, quando falamos nesta palavra, muitas vezes o nosso pensamento direciona-se predominantemente para conteúdos referentes à vertent...