Treino, quando falamos nesta palavra,
muitas vezes o nosso pensamento direciona-se predominantemente para conteúdos
referentes à vertente física técnica e tática. Bem… se o treino desportivo é
constituído por quadro áreas complementares e integradas – Físico, Técnico,
Tático e Psicológico – como poderemos então integrar no Programa de Treinos
Anual, esta última vertente? É aplicável? Como se Aplica? Em que
momentos? Fazemos de forma integrada no treino ou individual? Mas então o
Psicólogo não é só no gabinete a dar consultas? Como forma de responder ás
questões, desafio-me a criar um possível diálogo entre um Técnico em Psicologia
do Desporto que está integrado na equipa e o Treinador.
Para isso começo com a citação de Buceta
(1998),“A intervenção psicológica no mundo dos desportos competitivos pode
ajudar a optimizar o desempenho do atleta em sessões de treino, garantindo que
o tempo gasto no treinamento seja aproveitado ao máximo possível."
A intervenção Psicológica, como uma das
áreas do treino desportivo, melhora e prepara o atleta para corresponder de
forma mais eficaz e completa aos estímulos presentes na competição. E para que
assim se suceda, é necessário treino de:
·
aprendizagem;
·
repetição;
·
exposição aos estímulos da competição.
Exatamente da mesma forma que o treino
técnico, físico e tático. Porém, ainda existe alguma relutância por parte de
alguns treinadores e até mesmo atletas, sendo a sua principal causa o
desconhecimento do trabalho e das consequências favoráveis do mesmo. Vamos
então criar aqui um diálogo com entre um consultor em Psicologia Desportiva e
um Treinador que apresenta alguma relutância ao trabalho Psicológico. O cenário
tem como pano de fundo a modalidade de Basquetebol, tratando-se de um caso
real.
A Reunião decorre no período da manha
antes do treino e o objetivo do consultor passa por expor a importância do
treino alternativo como um método eficaz para a melhoria das capacidades do
atleta
Treinador: Bom dia! O que temos hoje de novo? Na sessão a
anterior acabámos o programa para eu melhorar as minhas capacidades
Psicológicas. Gostei. Sinto-me mais capaz, essencialmente em momentos de
tensão, em que estamos a perder. Antes revoltava-me e perdia capacidade de
observar e tomar as melhores decisões para a equipa. Ah e passava o stress para
eles. Agora tenho as ferramentas que definimos para manter o meu foco no
presente e regular a ativação. Espetáculo. Que temos mais?
Técnico Psicologia Desportiva: Bom dia Coach!! Vejo que está cheio de motivação e
fico muito satisfeito por essa evolução. Através dos meus registos de
observação e análise de vídeos da competição consegui verificar que de facto
está com um nível de controlo superior. Parabéns por todo o seu compromisso!
Hoje falo-lhe de conteúdos associados ao planeamento de treino. Sabe, já
trabalho com a equipa á algum tempo e uma das situações que considero
importante implementarmos são os treinos complementares. Ou seja, aquelas
atividades individuais que permitam o atleta incorporar, melhorar,
eliminar ou consolidar comportamentos que
consideramos relevantes para o seu rendimento. Isso fará com que haja um
aumento de adesão do atleta a todo o processo pois, ele sente-se útil, com
conteúdos de desempenho para treinar e percebe que pode evoluir.
Quando abordo isto falo não apenas de ações técnicas, mas também de treino de
habilidades Psicológicas.
Treinador: Bem, não estou a perceber bem. Estamos a falar de
sessões fora do treino coletivo em que definirei, individualmente necessidades
que pretendo incorporar, melhorar, eliminar e consolidar? Essa avaliação já
fizemos em equipa técnica e trabalhamos sobre isso no treino coletivo. Não vejo
qual a necessidade de estarmos a dar mais este momento. Percebe, entre o útil e
o agradável, não sei se me compensa acrescentar isso. Por exemplo, o Peter… que
queres que lhe acrescente se a nível técnico ele tem tudo. Olha-me aquele tiro
exterior!!!! Sabes disso.
Técnico Psicologia Desportiva: Sem dúvida, o Peter é um ótimo exemplo, tem o gesto
técnico perfeito como diz o Coach e a sua eficácia sem oposição/ com oposição
passiva (aprendizagem) ou com oposição ativa ( aproximação do treino aos
estímulos do jogo) é elevada. Porém pense nos jogos decisivos que tivemos. Nas
fases finais dos jogos foi sempre ele o decisor, a equipa passou-lhe a bola
para ele decidir e ele não conseguiu ser eficaz!
Perdeu a capacidade técnica nesse
momento? Claro que não, o jogo é que apresenta variáveis que são necessárias
ser treinadas juntamente com a vertente técnica. Este treino alternativo de
repetições pode ser no caso do Peter. Repetir a ação técnica em que é
forte. Para manter a habilidade! Porém este treino… que terá objetivos de
desempenho e resultado trará algumas variáveis como:
·
frustração,
·
desconcentração,
·
stress
E isso também pretendemos treinar! O
Peter já aprendeu as habilidades Psicológicas. Agora necessita de
repeti-las para consolidar, aproximá-las do contexto de competição para
estar apto para as aplicar em competição.
Treinador: Estou a perceber. Ou seja. Do treino Psicológico que
fizeste com eles pensas que é mais eficaz apresentar um treino complementar que
vá individualmente ás necessidades do atleta e criar conteúdos… mesmo que o
conteúdo técnico esteja consolidado para ajudar a consolidar as estratégias que
trabalharam contigo na fase de aprendizagem.
Técnico Psicologia Desportiva: Nem mais!
Treinador: Como fazemos isto?
Técnico Psicologia Desportiva: O treino complementar divide-se em quatro momentos
específicos. Mas atenção isto tem de ser um processo onde o nosso conhecimento
dos comportamentos a manter, consolidar, eliminar e incorporar estejam muito
bem identificados e isso já temos.
Como estava a dizer são 4 os momentos:
·
Aprendizagem de habilidades e
comportamentos relevantes;
·
repetição desses comportamentos;
·
prática e exposição ás condições
desportivas
·
preparação especifica.
Vamos dar o exemplo do Peter.
A fase de aprendizagem do lançamento
exterior (técnico), bem como das habilidades Psicológicas fundamentais estão
apreendidas)
Vamos agora passar para a fase de
repetição… temos de refletir sobre quantos momentos semanais… um talvez? Temos
de falar com o preparador físico. Aqui vamos potenciar os conteúdos em que ele
é forte tecnicamente mas colocando objetivos de desempenho e variáveis que
possam provocar desconcentração, stress e frustração para que ele consolide as
técnicas aprendidas na fase anterior comigo . Atenção nesta fase é importante
termos em conta que:
1.
os objetivos de desempenho são
prioritários mas temos de colocar também de resultado, para termos alguma
aproximação aos estímulos emocionais do jogo;
2.
devemos usar gravações (para basearmos
as análises de desempenho através de factos);
3.
ter em conta o feedback através do
reforço e punição;
4.
trabalhar a tolerância á dor e fadiga
este é um processo que desafia e exige superação por parte do Peter, por isso é
essencial direcionar a atenção para a execução e instrução e não para a dor e
fadiga;
5.
e algo que considero essencial: Os
registos de informação: perceber qualitativamente o que o atleta sentiu no
decorrer do treino e a percepção do mesmo perante o processo.
Após este processo de repetição, em que
temos de planear o número de sessões, sendo o mesmo adaptável no decorrer do
processo, passamos para a prática em condições de competição
Esta fase já integrada no programa de
treinos de grupo. Pois as habilidades já foram consolidadas estando em
condições de serem aplicadas nos momentos que já temos nesta fase da época,
como:
·
Treino conjunto com atletas de um
ambiente diferente (convidar equipas de fora ou de outro escalão do mesmo
clube);
·
simulação de competições em treinos
normais;
·
aproximação a situações de competição
através de situações análogas (exercícios reduzidos mas que aproximem os
comportamentos aos da competição);
·
prática de visualização mental para
antecipar cenários de competição.
Por fim, a preparação para a competição
que já fazemos. Com o primeiro momento fora do campo, analisando a competição,
avaliar o adversário, os nossos recursos e definir a estratégia e o segundo período dentro do campo, ou seja, a prática. Como vez, este processo de treino
psicológico dá para ser integrado tudo o que já fazemos.
Treinador: Falamos com o Preparador físico, desenvolvemos o
programa e vamos a isso!
Considerações Finais: Vou ser muito breve pois o único aspeto que pretendo
destacar ao leitor é que, com este diálogo pretendi dar a conhecer o que um
técnico em Psicologia do Desporto faz integrado numa equipa técnica, ou num
clube. O objetivo é trabalhar de forma integrada, incluindo no programa de
treino os seus conteúdos de trabalho. Para isso é necessário que haja total
abertura de toda a equipa técnica para um trabalho que deve ter como base a
Multidisciplinaridade. Todo este trabalho como qualquer outro, seja técnico
físico ou tático deve incluir sempre as seguintes fases: Aprendizagem das
habilidades; Repetição das habilidades; Aproximação das habilidades ao contexto
de competição e Preparação para a competição.