Os
jogos desportivos, no qual se encontra o futebol, são jogos situacionais de
cooperação/oposição ativa, ricos em situações de grande imprevisibilidade e
incerteza (Garganta, 2006), ou seja, durante o jogo, os jogadores terão de
estar constantemente a fazer escolhas, a tomar decisões e a executar ações em
função de 10 colegas e 11 adversários.
Portanto
ao pensarmos numa estratégia de ensino do jogo de futebol, percebemos logo que
é um processo complexo, porque associado à complexidade que define o próprio
jogo, estão exigências físicas, técnicas e psicológicas específicas e
variáveis, bem como níveis de desempenho dos praticantes que dependem muito da
idade e da própria qualidade dos atletas.
As grandes mudanças nas últimas décadas nos modelos de ensino do futebol foram o foco dado à dimensão tática em detrimento da dimensão técnica e física, valorizando a construção de uma metodologia de treino onde a interação das várias dimensões do jogo é muito mais evidenciada do que o desenvolvimento separado dessas dimensões. Ou seja, atualmente, ensinamos a técnica, desenvolvemos capacidades físicas e psicológicas em função de uma supra-dimensão tática.
Outra
mudança importante nos modelos de ensino é o ensino pela compreensão, isto é,
os praticantes são voz ativa da sua própria aprendizagem do jogo, onde são
colocados em situação de resolução de problemas através da modificação e
adaptação de jogos, a fim de desenvolver as suas competências (tático-técnica,
física, psicossociais) e, os treinadores não agem como solucionadores do
problema, mas sim procuram orientar os atletas a chegarem à solução do
problema.
Perante
esta evolução dos modelos de ensino do jogo, e respondendo ao título do texto,
parece-me evidente que estes modelos estão a evoluir para um ensino da cabeça
(tomada decisão, compreensão) aos pés (técnica) em detrimento dos pés para a
cabeça. Faz sentido? Em qualquer escalão, da iniciação ao alto rendimento?
Sem
qualquer dúvida afirmo que sim e em qualquer escalão, porque só temos atletas
bons tecnicamente se forem eficazes no contexto de jogo, isto é, não tem
interesse um atleta que em 10 situações de jogo, em 8-9 utiliza o drible em vez
do passe e a 2ª opção era solução mais correta. Serão sempre atletas
inadaptados à especificidade do jogo.
Neste
sentido:
-
Acredito no treino técnico analítico em todos escalões (percentagens de tempo
de treino diferenciadas de escalão para escalão) mas que os atletas percebam
porque estão a fazer aquilo, em que contextos do jogo devem usar.Exemplificando, podemos estimular por exemplo o princípio da progressão (avançar no terreno de jogo) através de um exercício analítico de condução, no entanto, temos de criar condicionantes no exercício que os orientem a fazer uma condução mais larga ou mais curta, e os jogadores tem de perceber quando, onde e como fazer uma ou outra. Obviamente neste caso se não tenho adversário próximo a minha condução é mais longa, se o tenho devo controlar melhor a bola e opta por uma condução mais curta. (Ensino pela compreensão);
- Acredito muito mais que a predominância do processo treino assente na construção de exercícios que exercitem ideias e princípios de jogo onde sejam desenvolvidas as ações técnicas que vão suportar esses princípios (ensino globalizado em função da dimensão tática).
Imaginemos
que a vossa equipa está com dificuldades em ter a bola sobre pressing da equipa
adversária, essencialmente por dificuldades na receção orientada da bola, isto
é, quando não descobre colega livre é obrigado a rececionar mas não protege a
bola nem consegue ultrapassar o adversário através da receção orientada. Neste
caso, em vez de gastarmos tempos de treino exagerados em treino analítico de
receção, vamos criar exercícios orientados à nossa fase de organização ofensiva
em especificidade, com condicionantes que façam aparecer o comportamento tático
ou técnico que queremos desenvolver (condicionantes para este exemplo: espaço
reduzido, obrigatório 2 toques)
-
Depois constrói-se o processo treino (os exercícios) para guiar os atletas para
a intenção tática que o treinador deseja, fazendo-os vivenciar/errar para
depois os questionar a importância daquele exercício para o Jogo. (Atleta como
voz ativa da sua aprendizagem);
- Princípio da Progressão Complexa como
requisito fundamental do processo treino. Desenvolver princípios táticos mas
adaptar variáveis como número, espaço, condicionantes do exercício de acordo
com o escalão e o nível de competência do seu grupo. Por exemplo não faz
sentido realizarmos Gr+7x7+GR em petizes ou traquinas quando eles ainda não
sabem praticamente relacionar-se com a bola ou mesmo com o colega.
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