sexta-feira, 9 de maio de 2014

O treinador da Moda em ENTREVISTA


Da metodologia de treino ao trabalho exaustivo em prol da evolução dos jogadores, passando pela liderança, pela análise dos jogos e pela aplicação da cinética no futebol, eis um verdadeiro manual da Kloppologia.


Sr. Klopp, queremos falar consigo sobre Futebol.

JK: Ora aí está algo de novo! Já estou quase habituado a que os media se interessem apenas por informação cor-de-rosa: quanto é que custou um jogador ou quem é que foi visto com quem na discoteca.

 Em poucos dias começará a nova época da Bundesliga. A última época foi marcada pelo epíteto de futebol de sistema e também pela frase de Jürgen Klinsmann “cada jogador, a cada dia, pode melhorar um pouco”. Neste momento, Klinsmann já foi substituído, mas fica a pergunta: o que significa concretamente “melhorar um jogador de futebol”?

JK: Em público, existe sempre uma tendência para se falar, do ponto de vista teórico, no sistema, no modelo de jogo e no papel do treinador e dos jogadores. Mas raramente é questionado para que serve determinado exercício prático, um treino ou o que retiras disso para desenvolver ou formar um jogador.



 E…?

JK: A minha regra pedagógica basilar consiste, numa primeira fase, em que é bem mais importante enaltecer as qualidades do jogador do que apontar-lhe os pontos fracos e criticar-lhe as falhas. Não podemos dizer ao jogador: “Isto tu não sabes fazer” ou “Isso não vais conseguir fazer”. Quando eu, enquanto treinador, acredito num jogador e que ele poderá evoluir, ao mostrar-lhe como poderá desenvolver as suas capacidades ganho a sua confiança. Se ele sente essa confiança, vai evoluir e crescer como jogador. E, no momento da verdade, vai acreditar em mim e, seguidamente, em si mesmo.

 Mas uma auto-confiança elevada não substitui o talento. O que acontece aos pontos fracos dos jogadores?

JK: A autoconfiança, para mim, é determinante. Depois, sim, trabalhamos os pontos fracos. Várias vezes, muitas vezes. São exercitados, repetidamente. Tenho um excelente exemplo no plantel: o nosso central Felipe Santana. Ele é verdadeiramente um atleta excecional. Tem grande capacidade física, o que lhe permite ser bem-sucedido nos lances homem-a-homem. Teve porém que dissimular as suas limitações técnicas. Para corrigir as deficiências, só tivemos que lhe fazer duas perguntas: Qual é a função de um defesa central? e Por que é que ele é um jogador crucial na equipa? A resposta é imediata: o defesa central é, quase sempre, o nosso último recurso. Quando perdes a bola ou se não a souberes parar convenientemente, é praticamente certo que o adversário vai ter uma oportunidade para marcar um golo. Nessa posição, é crucial ter jogadores com um nível técnico considerável. Isso analisa-se com base em três parâmetros: receção/controlo da bola, condução da bola e passe. E foi isso que fizemos com o Felipe Santana. Treinar controlo, condução e passe. Várias vezes, muitas vezes…


 Os colegas não gozam com o jogador?

JK: Isso é um disparate. Não, ninguém goza ou se ri neste tipo de treino, porque pode acontecer a qualquer um. E acontece! Treino é repetição. Isso é válido para atletas e para músicos. Vi, recentemente, um filme sobre um baterista que repetia as sequências individuais 1600 vezes, até que estivessem verdadeiramente interiorizadas. Aí, ele já não pensa mais. Apenas tocava. Simples: badambadam, badambadam, badambadam. Repetição, repetição. As coisas também funcionam assim no futebol. Não precisas treinar 1600 vezes, mas, depois do treino, proponho ao Felipe Santana 60-70 bolas desde posições diferentes. E ele vai ter que conseguir reagir sempre: receber, conduzir e passar.

 Isso é suficiente?

JK: Claro que não é suficiente para corrigir as deficiências do jogador, mas consegues algo muito importante: o jogador envolve-se e passa a saber lidar melhor com os seus pontos fracos. O jogador tem que reconhecer estes pontos fracos. Saber viver com eles

 Agora ele consegue parar a bola…

JK: A técnica é, do meu ponto de vista, o primeiro pré-requisito para um futebolista. A arte, se quiser. Depois, segue-se o segundo passo: a inteligência de jogo. E aí há uma necessidade de melhorar individualmente, como também do ponto de vista coletivo. Seja com toda a equipa, seja com parte da equipa. Depois, também possuímos recursos sofisticados para realizar uma análise vídeo top do ponto de vista individual e coletivo, em que utilizamos múltiplas câmaras que estão instaladas no estádio apenas com esse propósito.

 Antes de fazer a análise em equipa, tem que ver o vídeo de jogo. Quanto tempo dura essa tarefa?

JK: Para que um vídeo de um jogo de 90 minutos fique devidamente visto, não o posso ver corrido. Paro, volto atrás, avanço. Paro, volto atrás, avanço. Demoro 5 horas a analisar e a esmiuçar um jogo de forma a apreender tudo.

ZM: Quando é que faz isso?

JK: Quando jogamos ao sábado, faço a análise do nosso jogo ao domingo. Às terças-feiras, vemos as imagens da equipa relativas ao último jogo. Reúno os jogadores e observamos duas sequências: o que fizemos bem e o que fizemos mal. Da mesma forma, faço reuniões por sector. Por exemplo, reúno-me inúmeras vezes com os quatros defesas para lhes mostrar como reagiram às situações do jogo. É fundamental definirmos os tempos certos, para que a linha de quatro funcione na perfeição: não se podem mover demasiado rápido, nem de forma demasiado lenta. No que diz respeito a análises individuais, temos um registo de gravações de todos os jogadores. De todas as suas ações. Uma a uma.

 Faz uma crítica individual perante toda a equipa?

JK: Quando tecemos críticas, gostamos de as fazer em frente a todo o plantel. A nossa crítica é feita ao comportamento posicional, nunca é uma crítica à pessoa. O trabalho de desenvolvimento funciona por meio de feedback e de correções.



 Qual é a frequência dos treinos?

JK: Faço dois treinos à terça-feira. À quarta-feira, fazemos cinética e uma unidade de treino. À quinta um treino e à sexta outro. Ao sábado é o jogo.

 Cinética?

JK: A cinética é fundamental na minha metodologia de treino. O professor Horst Lutz apresentou-nos um método fabuloso, chamado Life Kinetik, que obteve excelentes resultados com esquiadores alemães como Felix Neureuther. Isto envolve a concentração e a coordenação, como também a educação ocular (treino do olho). Aparentemente, isto parece ter muito pouco a ver com futebol. Por exemplo, nós praticamos formas bastante complexas de malabarismo (pegar em dois cubos de açúcar, atirá-los ao ar e agarrá-los com as mãos cruzadas), o que permite aprender a diferenciar perceção e movimentação, cérebro e aparelho motor. Tudo isto se treina.

 Isso faz sentido para os jogadores?

JK: (risos) Isso é a parte prática da autoridade: se eu quero que seja feito, é feito. Isso permite que os jogadores se apercebam que isso os ajuda a melhorar o seu posicionamento, a ter maior velocidade de reação, a reagir mais rapidamente, a ter uma perspetiva mais acurada e uma melhor visão geral do jogo. Tudo isto reunido acaba por fortalecer a minha autoridade. A inteligência dos jogadores de futebol é francamente subvalorizada. As pessoas julgam-nos pelas declarações que fazem no final dos jogos, muitas vezes por responderem a perguntas muito pouco inteligentes. Experimentem pôr um microfone à frente do nariz de um cirurgião imediatamente após uma operação de duas horas ao coração. Ele é quem nos salva a vida. Mas dele, nessa circunstância, também não ouviriam as melhores respostas.

No que diz respeito a jogadores inteligentes e adultos, há uma predisposição para questionarem decisões ou para pedirem alguns privilégios?

JK: O exemplo típico é o da reserva e da ocupação de quartos e camas em estágios. Se não houvesse um critério, todos escolheriam quartos individuais. Eu faço questão que não haja quartos individuais. Reservo sempre quartos com duas camas e faço questão que um jogador não escolha o seu parceiro. Por isso, sou eu quem define os pares que ocupam os quartos… Se não o fizesse, pode imaginar o que daí resultaria.



 Na última temporada havia exceções?

JK: Havia duas. Os dois jogadores que ressonavam. Assim não dá! Num estágio é preciso dormir e descansar bem. Por isso, receberam ambos um quarto individual. Assim, podiam ressonar à vontade. Para definir a escolha dos quartos, faço um sorteio no início de cada época, o que se tornou num verdadeiro ritual. Encenamos um sorteio das competições europeias: temos o “que joga em casa”, que é o primeiro a ser sorteado e que se senta à frente, de olhos tapados, à espera de saber quem lhe calha na rifa. Ou seja, “quem joga fora”. Depois, há gritos e cenas de júbilo. Isso acabou por tornar-se num evento extremamente divertido.

 Em criança ou durante a sua juventude reconhecia autoridade em alguém?

JK: O meu pai era um desportista de corpo e alma. Muito completo. Um treinador de corpo e alma. Muito completo. Foi quem me mostrou e ensinou tudo: futebol, ténis e esqui. Ele era completamente irresponsável: quando esquiávamos, só via o seu anoraque vermelho. Das pistas de esqui não via nada.

 Como assim?

JK: Ele ultrapassava-me e, com isso, procurava levar-me em frente. Nunca esperava por mim. Era completamente irrelevante o facto de eu ser um principiante. Ele passava por mim disparado. E eu via sempre as costas daquele anoraque vermelho. Ele queria que eu fosse um esquiador perfeito. E fizemos sprints e corridas… no campo de futebol. A partir da linha de fundo até ao meio-campo. Na minha primeira corrida, já ele tinha chegado ao meio-campo e eu ainda estava a chegar à entrada da grande área. Isso para ele era muito mau. Ele gostava muito de mim e eu sabia disso. Mas não tinha nenhuma consideração por mim: nem me protegia, nem me deixava ganhar.

 Desagradável!

JK: Apenas por sorte é que aquilo que o meu pai queria que eu fizesse me trazia divertimento. Já aí, eu amava o futebol, mais do que qualquer outra coisa, mas naturalmente que não tinha paciência para ao domingo, às 8 da manhã, estar a treinar toques de cabeça!

 Quando o ouvimos falar, pela descrição que faz do seu pai, sentimos uma incrível semelhança refletida no seu comportamento em relação aos seus jogadores: uma mistura entre exigência e proximidade, rigidez e afeto.

JK: Hmm… A sério? Se calhar, tem razão!

 O seu pai era apenas ambicioso ou era um verdadeiro amante de desporto?

JK: Quando o meu pai já estava com um cancro em fase avançada, decidiu disputar com a sua equipa de seniores um jogo de “masters”. Ele adorava ténis e essa foi a sua forma de despedida da vida. O mais importante era que a desfrutasse. Um dia, quando já estava no hospital, chamou-me junto de si e falou-me do seu funeral. Disse-me que músicas deviam ser tocadas – um solo de trompete de Helmut Lotti e a “Time to say goodbye”. Deu-me também a fotografia que deveria ir sobre o seu caixão: mostrava-o ainda no auge da sua vivacidade. O meu pai era muito vaidoso e ainda disse em tom de brincadeira: «se alguém abre o caixão, vai haver sarilho!». Aí, eu senti a responsabilidade de ser o único homem que restava na família. Na Floresta Negra, onde nasci e cresci, a morte não é um tema que os homens discutam com as mulheres.

 Consegue aceitar a morte como algo inalterável e definitivo?

JK: Oh… Eu até sou crente. Mas aceitar a imutabilidade da morte parece-me incrivelmente difícil.



 O que é para si a fé?

 A fé é simplesmente certeza. Não trago essa ideia desde os tempos de infância, mas em algum momento da minha vida tive essa ideia. Para mim significa – por mais patético que isso soe – que devo fazer tudo o que está ao meu alcance para mudar o lugar onde estou para melhor. Para mim, em variadíssimas situações, é importante que as pessoas que me rodeiam estejam bem. Eu estou sempre bem. Desejo verdadeiramente fazer um trabalho que torne o Mundo melhor. Infelizmente, esse desejo não significa que seja bem-sucedido na tarefa de aceitar que há coisas – como as doenças ou a dor – que não posso mudar.

 Este desejo de melhorar as coisas, esta vontade de melhorar a vida das pessoas tem também consequências políticas?

JK: Eu nunca escolheria um partido, apenas para me sentir melhor. Ora, quando um partido promete reduções dos impostos para os escalões mais elevados de tributação – aos quais eu vou pertencendo – isso não é motivo suficiente para que eu o escolha.

 Qual é a perceção que tem da realidade política e social fora do seu mundo protegido do futebol?

JK: Nós vivemos na zona do Ruhr. Observamos, claro, as pessoas que vão ver os treinos todos os dias. É claro que essas pessoas não são veraneantes em férias. São pessoas que não têm trabalho. A essa realidade não podemos fechar os olhos. Os jogadores sabem exatamente quão dura é realidade da vida das pessoas agora durante esta crise financeira.

 Por favor, Sr. Klopp!!!

JK: Absolutamente! Não preciso de encenar o interesse. Os meus jogadores não precisam de posar para a fotografia com a cara manchada de carvão. As pessoas da região não precisam desse tipo de pseudo-compaixão. O que nós podemos fazer é proporcionar-lhes momentos de distração. Dar-lhes alegrias. Os nossos fãs ganham connosco, perdem connosco e jogam connosco. Temos a tarefa, nestes momentos, de criar momentos tão agradáveis quanto possível. E essa é uma tarefa monumental.

 Também transmite essa mensagem aos jogadores?

JK: Não. Não preciso. Eles sabem-na interiormente. Também não posso agir como se eles fossem solucionar os problemas das pessoas! Apenas podemos ajudá-las a não olhar para esses problemas de forma tão gravosa. Recentemente, recebi uma mensagem de um fã que era beneficiário do Hartz IV e que contava que tinha comprado um bilhete de época do Borussia Dortmund.

E…?

JK: Ora, na realidade, tive que dizer imediatamente que ele não estava bom da cabeça e devia gastar o seu parco dinheiro em coisas mais importantes. Mas eu sei que nós trazemos alegria à vida dele. Não posso mudar a situação política, não posso mudar nada na realidade social, mas posso fazer estas pessoas muito felizes por alguns momentos.















 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Treino Psicológico! Como fazer! Como treinar! Como tirar rendimento!

Treino, quando falamos nesta palavra, muitas vezes o nosso pensamento direciona-se predominantemente para conteúdos referentes à vertent...