sábado, 30 de abril de 2016

Ensinar o jogo de futebol… Da cabeça aos pés ou dos pés à cabeça?


Os jogos desportivos, no qual se encontra o futebol, são jogos situacionais de cooperação/oposição ativa, ricos em situações de grande imprevisibilidade e incerteza (Garganta, 2006), ou seja, durante o jogo, os jogadores terão de estar constantemente a fazer escolhas, a tomar decisões e a executar ações em função de 10 colegas e 11 adversários. 


Portanto ao pensarmos numa estratégia de ensino do jogo de futebol, percebemos logo que é um processo complexo, porque associado à complexidade que define o próprio jogo, estão exigências físicas, técnicas e psicológicas específicas e variáveis, bem como níveis de desempenho dos praticantes que dependem muito da idade e da própria qualidade dos atletas. 


As grandes mudanças nas últimas décadas nos modelos de ensino do futebol foram o foco dado à dimensão tática em detrimento da dimensão técnica e física, valorizando a construção de uma metodologia de treino onde a interação das várias dimensões do jogo é muito mais evidenciada do que o desenvolvimento separado dessas dimensões. Ou seja, atualmente, ensinamos a técnica, desenvolvemos capacidades físicas e psicológicas em função de uma supra-dimensão tática. 


Outra mudança importante nos modelos de ensino é o ensino pela compreensão, isto é, os praticantes são voz ativa da sua própria aprendizagem do jogo, onde são colocados em situação de resolução de problemas através da modificação e adaptação de jogos, a fim de desenvolver as suas competências (tático-técnica, física, psicossociais) e, os treinadores não agem como solucionadores do problema, mas sim procuram orientar os atletas a chegarem à solução do problema.




Perante esta evolução dos modelos de ensino do jogo, e respondendo ao título do texto, parece-me evidente que estes modelos estão a evoluir para um ensino da cabeça (tomada decisão, compreensão) aos pés (técnica) em detrimento dos pés para a cabeça. Faz sentido? Em qualquer escalão, da iniciação ao alto rendimento?


 

Sem qualquer dúvida afirmo que sim e em qualquer escalão, porque só temos atletas bons tecnicamente se forem eficazes no contexto de jogo, isto é, não tem interesse um atleta que em 10 situações de jogo, em 8-9 utiliza o drible em vez do passe e a 2ª opção era solução mais correta. Serão sempre atletas inadaptados à especificidade do jogo.


 




Neste sentido:
- Acredito no treino técnico analítico em todos escalões (percentagens de tempo de treino diferenciadas de escalão para escalão) mas que os atletas percebam porque estão a fazer aquilo, em que contextos do jogo devem usar.
Exemplificando, podemos estimular por exemplo o princípio da progressão (avançar no terreno de jogo) através de um exercício analítico de condução, no entanto, temos de criar condicionantes no exercício que os orientem a fazer uma condução mais larga ou mais curta, e os jogadores tem de perceber quando, onde e como fazer uma ou outra. Obviamente neste caso se não tenho adversário próximo a minha condução é mais longa, se o tenho devo controlar melhor a bola e opta por uma condução mais curta. (Ensino pela compreensão);





- Acredito muito mais que a predominância do processo treino assente na construção de exercícios que exercitem ideias e princípios de jogo onde sejam desenvolvidas as ações técnicas que vão suportar esses princípios (ensino globalizado em função da dimensão tática). 


Imaginemos que a vossa equipa está com dificuldades em ter a bola sobre pressing da equipa adversária, essencialmente por dificuldades na receção orientada da bola, isto é, quando não descobre colega livre é obrigado a rececionar mas não protege a bola nem consegue ultrapassar o adversário através da receção orientada. Neste caso, em vez de gastarmos tempos de treino exagerados em treino analítico de receção, vamos criar exercícios orientados à nossa fase de organização ofensiva em especificidade, com condicionantes que façam aparecer o comportamento tático ou técnico que queremos desenvolver (condicionantes para este exemplo: espaço reduzido, obrigatório 2 toques)  


- Depois constrói-se o processo treino (os exercícios) para guiar os atletas para a intenção tática que o treinador deseja, fazendo-os vivenciar/errar para depois os questionar a importância daquele exercício para o Jogo. (Atleta como voz ativa da sua aprendizagem);


- Princípio da Progressão Complexa como requisito fundamental do processo treino. Desenvolver princípios táticos mas adaptar variáveis como número, espaço, condicionantes do exercício de acordo com o escalão e o nível de competência do seu grupo. Por exemplo não faz sentido realizarmos Gr+7x7+GR em petizes ou traquinas quando eles ainda não sabem praticamente relacionar-se com a bola ou mesmo com o colega.


Fases Sensíveis de Desenvolvimento das Capacidades Motoras do Jovem Futebolista - Potencializar o talento

Se os pais devem conhecer os estádios de desenvolvimento físico e intelectual dos seus filhos quando estes são crianças e adolescentes para desta forma potenciar o seu desenvolvimento, treinadores de desporto, neste caso particular treinadores de futebol, devem conhecer em que períodos o desenvolvimento de determinadas capacidades motoras e coordenativas são potencializadas pelo treino.


Será objetivo deste texto falar um pouco sobre fases sensíveis de desenvolvimento das capacidades motoras e a sua importância no planeamento do processo de treino.


Em primeiro lugar é importante definir o que são fases sensíveis e capacidades motoras.




Fases sensíveis ou períodos críticos são períodos limitados de tempo na vida dos indivíduos, em que eles respondem de forma mais intensa do que noutros períodos, a determinados estímulos do ambiente exterior. No caso do desportista, existem períodos em que estimulando uma determinada capacidade motora através do treino, o efeito deste sobre essa capacidade no desportista é potencializado. Após o término desses períodos o efeito do treino sobre determinada capacidade é reduzido de forma significativa. 


Capacidades motoras baseiam-se em predisposições genéticas e desenvolvem-se através dos estímulos de treino. Dividem-se em capacidades motoras condicionais (força, velocidade, resistência e flexibilidade) e capacidades motoras coordenativas (Ritmo, Orientação espacial, Reação, Coordenação Motora e Diferenciação Cinestésica).


O mais importante não é saber conceitos, é saber o que as ciências do desporto nos dizem sobre este tema, quais os períodos (fases sensíveis) em que o treino da velocidade, da força, da resistência, da flexibilidade e das capacidades coordenativas leva a ganhos mais significativos dessas mesmas capacidades.
 
O gráfico em baixo representa a curva de velocidade de crescimento (centímetro/ano) para rapazes e raparigas ao longo da infância e da adolescência até à idade adulta e indica-nos os períodos sensíveis para o desenvolvimento das capacidades motoras. 
 




De uma forma simplista, segundo o gráfico podemos afirmar que os períodos sensíveis para o desenvolvimento da flexibilidade, da velocidade e das capacidades coordenativas acontece preferencialmente na infância (5-11,12 anos), enquanto a resistência e a força têm os seus períodos críticos durante a adolescência até ao início da idade adulta, embora a velocidade tenha um segundo momento sensível ao seu desenvolvimento nesta fase. No entanto, fundamental referir o seguinte: 


Existe um momento da adolescência em que a velocidade de crescimento aumenta de forma abrupta, denominando-se este momento de pico de velocidade de crescimento, sendo este pico variável entre indivíduos do mesmo sexo e também entre sexos [sexo feminino (12-13 anos) normalmente tem um pico de velocidade de crescimento antes do sexo masculino (14-15 anos)]. 




Identificar quando irá acontecer este pico de velocidade de crescimento é fundamental, muito mais que as idades. E o que sabemos do desenvolvimento das capacidades motoras e coordenativas em associação com o pico de velocidade de crescimento? Capacidades coordenativas, 1º momento de desenvolvimento da velocidade e flexibilidade têm um maior desenvolvimento antes do pico de crescimento, durante o pico, o desenvolvimento da resistência e o 2º momento da velocidade é mais potencializado, enquanto após o pico de velocidade de crescimento, a força e a resistência anaeróbia têm a sua fase sensível.
Fundamental aqui será: 


- Conhecer as fases sensíveis de forma a desenvolver no momento exato as capacidades motoras e coordenativas dos atletas, não ficando comprometido o seu desenvolvimento máximo;


- Perceber que independentemente da metodologia de treino que consideram mais vantajosa para a aprendizagem do jogo de futebol, os treinadores de formação devem perceber que a sua operacionalização deve dar maior ênfase à capacidade motora e coordenativa que é mais potencializada no momento.


 

- Identificar precocemente o pico de velocidade de crescimento dos seus atletas (existem metodologias de avaliação), sabendo no entanto que os escalões de iniciados e juvenis são normalmente onde acontece o pico, de forma a ter em conta o princípio da individualidade, já que são idades em que podemos ter um atleta que já ultrapassou o pico e já poderemos desenvolver a força por exemplo, e termos outro atleta que ainda falta um ou dois anos para chegar ao pico e aí o foco será ainda sobre o desenvolvimento da velocidade por exemplo.


- Embora existam períodos sensíveis de desenvolvimento, qualquer capacidade motora ou coordenativa poderá ser sempre melhorada. O que queremos dar ênfase é que estes momentos críticos são fundamentais para o desenvolvimento máximo do talento. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Velocidade de Pensamento e Execução – A perceção do momento do jogo


Segundo, (Queiroz, 1983), a equipa deve “recusar a inferioridade numérica, evitar a igualdade numérica, procurar criar superioridade numérica”. 

Esta afirmação acima descrita apresenta-se como algo a que as equipas se propõem em todos os jogos, mais propriamente em todos os momentos do jogo. 

 


É lógico que o tentem fazer, alcançar é que nem sempre se verifica. Porquê? Porque exige uma tomada de decisão coletiva/individual que tem em conta um conjunto de fatores (Princípios, Subprincípios e Subsubprincípios) tais como: 

A observação do posicionamento do adversário e da própria equipa, primeiro passe, progressão, a procura pelo espaço, mobilidade, envolvência, superioridade vinda de trás, ocupação racional do espaço, entre outros. A todo isto acrescentar, inevitavelmente, muita qualidade técnica o que só assim permite que estes princípios e subprincípios sejam percecionados e executados a uma velocidade estonteante. 
O golo do Chelsea frente ao City, tem tudo isto e demora cerca de 19 segundos a ser concretizado. O mesmo surge de um canto contra, começa no setor defensivo, através de um primeiro passe executado pelo jogador que vai finalizar a jogada, passa por todos os setores e corredores, variação do centro de jogo, participaram 6 jogadores e foram executados 7 passes e um remate. Isto é o futebol! Velocidade de pensamento e de execução! 


Todas as intervenções foram decisivas para o sucesso coletivo, podíamos destacar o primeiro passe do Schurrle ou a variação do centro de jogo do Hazard, o movimento do Schurrle sem bola – observação – perceção do momento – desmarcação, a temporização do Diego Costa, a fixação do defesa do Ivanovic, mas parece-me demasiado redutor destacar apenas um movimento ou um passe, a jogada é claramente coletiva e evidência o cumprimento dos princípios fundamentais ofensivos do jogo.


Isto só se alcança com um processo de treino planeado e orientado para os princípios de jogo. O estímulo de treino é que permite este tipo de comportamentos coletivos a esta velocidade. Não é o primeiro, nem será o último golo em ataque rápido/contra-ataque, a verdade é que é frequente nas equipas orientadas pelo treinador José Mourinho. 


Podemos analisar o golo do ponto de vista defensivo, contudo, parece me muito mais mérito ofensivo do que demérito defensivo. 

Um golo que evidencia uma identidade de jogo, contudo, nenhuma equipa vive de um só momento, pode e deve direcionar/focalizar o processo no momento com que mais se identifica, mas o jogo exige a perceção e comportamento em função dos momentos. Quanto mais “culta” for a equipa mais perto fica o sucesso coletivo. A biblioteca, perceba-se processo de treino, assume uma relação direta com a cultura da equipa e aqui entrará sempre os livros que o bibliotecário propõe à equipa.

O Treinador de Formação não é SÓ um Treinador

Um treinador de jovens tem de ser completamente diferente daqueles que aparecem na televisão. Se os educadores de infância não podem ser professores do 1º ciclo, professores do 1º ciclo que não podem ser educadores de infância nem do 2º ciclo e por aí em diante, porque é que os treinadores sub-7 e sub-8 podem ser treinadores dos sub-19? E pior… Porque é que os treinadores dos sub-11 que querem ser treinadores dos Seniores vão para treinadores de sub-11?


O treinador de crianças deve especializar-se naquilo que faz, ser recompensado por isso e fazê-lo da melhor forma possível.

O problema é que o desporto e a formação das nossas crianças através dele é completamente descorada. Apesar do desporto estar na moda, o papel dele na formação das pessoas está completamente posto de parte. No entanto, isso não deve ser desculpa para nós, treinadores, deixarmos de ser bons. Bons treinadores e bons FORMADORES.
Um treinador de formação tem de transmitir bons valores e boas crenças. O querer ganhar a todo o custo e transmitir isso para os atletas parece, aparentemente, inofensivo. É só um desporto, num clube com poucas ambições, ninguém vai reparar. O grande problema é que estes jovens estão numa idade bastante sensível, estão a formar o seu caráter e a sua hierarquia de valores. No imediato, estas ações dos treinadores não parecem mudar nada mas quem serão esses meninos no futuro? Será que vão ser jogadores de futebol? Será que vão ser políticos? Será que vão ser donos de uma grande empresa? Será que se se tornarem pessoas demasiado competitivas, que querem ganhar a qualquer custo e que não se importam com o que levam à frente, não serão maus profissionais? Não serão más pessoas? E o Treinador/Formador não tem cota parte nisso?


O treinador de formação tem um papel de grande influência no molde da personalidade destes pequenos. Se é certo que grande parte da personalidade é explicada pela genética, também se sabe que uma boa parte se deve ao ambiente em que as crianças estão inseridas e aos adultos-modelo. E o treinador é um dos adultos-modelo com mais peso. É o que possibilita uma das atividades que a criança mais gosta e que o faz/ou devia fazer evoluir e crescer nessa atividade.

O treinador de formação, ao contrário do treinador de equipas de competição, deve pôr a evolução individual do atleta à frente dos resultados competitivos do clube. Ou seja, dar hipóteses para os que estão menos aptos poderem evoluir e promover os mais aptos a escalões superiores onde possam ter mais competitividade e consequentemente evoluir também; mesmo que isso prejudique os resultados da equipa.





O treinador de formação deve promover a integração. Numa altura em que se fala muito de “bulling”, fenómeno que na minha opinião sempre existiu, é ainda mais necessário que os treinadores promovam uma boa ligação entre todos os seus jogadores. Fazer entender que numa equipa todos temos o mesmo objetivo e que isso nos une, independentemente das nossas diferenças individuais.

Durante o crescimento, especialmente nos escalões onde se costuma dar o salto de crescimento pubertário, existem muitas diferenças maturacionais, jovens muito avançados e outros muito atrasados. O treinador de formação tem que conseguir ver para além dessas diferenças, dar tempo a quem precisa de tempo. Perceber que as limitações que alguns jogadores têm não se devem a falta de qualidade mas sim ao timing de crescimento. E dar estratégias e qualidades a esses meninos para contornar as diferenças físicas.





O treinador tem que ensinar o jogo. Existem princípios e comportamentos que o treinador deve ensinar aos seus jogadores. Eles devem saber jogar e devem entender, interpretar cada momento e reagir em consonância. Para isso o treinador de formação tem de conhecer muito bem o jogo. Como pode um professor de inglês ensinar a língua se não sabe falar corretamente? O treinador deve conhecer o jogo, pensar o jogo, estudar o jogo e tentar estar o mais informado possível para poder ensinar o melhor possível.

(tem de divertir os seus atletas e fazê-los adorar o jogo e adorar desporto)

O treinador de formação deve ter a noção que o futebol é um jogo. Que os atletas são crianças, que jogam para se divertir. O treinador tem obrigação de não tirar a diversão aos seus jogadores, os jogadores devem adorar o futebol e acima de tudo devem adorar fazer desporto.





O treinador de formação deve preocupar-se com o que os seus jogadores fazem fora do campo, é uma grande referência como já foi dito e pode intervir favoravelmente na consciencialização dos seus atletas. Tanto a nível pessoal como académico, nunca se esquecendo que essas crianças poderão não vir a ser jogadores de futebol profissional e que têm, obrigatoriamente, de ter outra alternativa.

O treinador de formação deve ensinar aos seus atletas bons hábitos alimentares; o que devem comer mais e o que devem evitar; que alimentação devem ter antes e depois do exercício, sublinhar a importância da hidratação. Bem como, alertar para comportamentos menos próprios de atletas, que os podem prejudicar no imediato e no futuro, como hábitos alcoólicos, tabágicos e drogas.

Acima de tudo um treinador de formação tem de ter a consciência que tem o poder de mudar o mundo, pois está a lidar com os homens do futuro. Possíveis políticos, líderes de grandes empresas, pessoas com poder para fazer a diferença. Quando bem ensinados poderão fazer a diferença para o bem, quando mal ensinados…


Treino Psicológico! Como fazer! Como treinar! Como tirar rendimento!

Treino, quando falamos nesta palavra, muitas vezes o nosso pensamento direciona-se predominantemente para conteúdos referentes à vertent...