Há uns dias fui desafiado por um colega treinador a refletir sobre as diferenças principais entre dois jovens desportistas. Um
deles passou a maior parte da sua formação desportiva a jogar pouco mais do que
os minutos “obrigatórios” nos escalões iniciais, jogou pouco tempo no seu
primeiro ano de júnior e… esteve para desistir. Mas ficou. E revelou tamanha
evolução no seu último ano de júnior que foi inclusivamente chamado a
representar a equipa sênior do seu clube. O outro passou a sua formação a jogar
o máximo de tempo permitido nos escalões de base, continuou a jogar bastante
tempo no seu primeiro ano de júnior mas viu o seu tempo de jogo diminuído no
seu ano seguinte e… desistiu da modalidade.
Resumindo, um atleta que exibia mais
competências (vulgo talento) durante quase toda a sua formação não chegou a sênior enquanto outro, que todos apostavam que nunca lá chegaria, acabou mesmo
por cumprir o sonho de representar a equipa principal do seu clube. O que fez
com que o primeiro desistisse? O que fez com que o segundo se tenha conseguido
superar e concretizar o seu objectivo? Serão estes dois exemplos assim tão
raros?
A primeira resposta que dei ao meu amigo treinador
foi: “isso é fácil; metade da análise é sobre a minha vida. Eu fui esse segundo
caso”. Comecemos então pelo que me é mais familiar…
A minha experiência enquanto atleta passou por começar
aos 13 no basquetebol e só começar a ser convocado no meu primeiro ano de júnior. Passou também por ter aquele que, ainda hoje, considero o “Record
Mundial de Menos Tempo Jogado”. O jogo ainda tinha duas partes de 20 minutos
cada. Quando faltava um segundo para o final da primeira parte, um colega meu
lesionou-se. O treinador olha para o banco e chama-me. Entrei e fui pressionar
quem repunha a bola. Ele passou e a buzina apitou. Intervalo. Fomos para o
balneário e o meu colega recuperou. Pensei que voltaria a entrar nesse jogo mas
não. Só joguei um segundo. Numa altura em que os segundos eram a divisão mais
pequena nos marcadores. Ainda hoje sinto que deveria ter o meu record
homologado, o nome no Livro do Guiness por este feito e recebido o devido
cheque.
O atleta que tem por hábito ser pouco utilizado bebe a
sua confiança de fontes distintas das dos seus colegas mais chamados a entrar.
Eu bebia a confiança de “chegar primeiro” e dos meus colegas me escolherem “à
frente” de quem jogava. Passo a explicar: em cada exercício em que as nossas
capacidades físicas fossem postas à prova lá estava eu a “chegar primeiro”. A
dar tudo para ser o mais rápido, o que saltava mais alto (nunca o consegui) ou
o que demonstrava mais força (física ou mental). Assumi que era minha missão
obrigar o treinador a não duvidar das minhas competências, daquilo que estava
sob meu controlo. Quem joga pouco, se quer jogar mais, deve encarar
cada treino como sendo uma final. Mesmo que os colegas não o façam, cada treino
é “a tua” final.
Procurei também, literalmente durante anos, entender o
que os meus colegas gostavam de ver/ter nos seus colegas de equipa. Assim que
descobria uma característica dessas, trabalhava-a. Desde ajudar a esconder as
limitações defensivas de cada um até saber onde é que cada um se sentia mais à
vontade para receber e lançar, a pesquisa tornou-se exaustiva e diária. Sempre
com o intuito de ser valorizado pelos que suavam comigo, mais do que por aquela
figura mais ou menos autoritária e distante que mudava no final de cada
temporada. Quem joga pouco, se quer jogar mais, deve procurar
desenvolver a empatia.
Depois veio a resiliência. Desde as piadas
dos chicos-espertos que se alimentam de ridicularizar quem joga pouco aos
feedbacks dos amigos mais próximos que nos questionam e duvidam, todas essas
“pedras” podem ter vários “usos”. Quem joga pouco aprende a “guardá-las” para
“construir um castelo”. Aprende a relativizar opiniões alheias e alimentar-se
da sua confiança no trabalho diário de alta qualidade, da sua
motivação intrínseca inabalável.
Inabalável?!… Bem, por vezes não… Eu desisti de jogar basquetebol pelo
menos 3 vezes durante a minha formação. Todas por me sentir
injustiçado/desrespeitado. Quem é adolescente precisa de pertencer. De
se sentir importante no grupo que escolhe. Regressei sempre ao jogo
porque tive e tenho amigos gigantes que me fizeram sentir essa importância e
não me deixaram “fugir
Um estudo do Josephean Institute revelou que 90%
dos jovens preferem jogar numa equipa perdedora do que passar os jogos sentado
no banco duma equipa vencedora! Não fugindo à regra, eu não me
importava muito se a equipa onde eu treinava era das melhores ou das piores.
Desde que os amigos fossem dos melhores, para mim a equipa valia a pena!
Quanto ao atleta que está habituado a ter muito tempo
de jogo e, mesmo quando está prestes a terminar a sua formação desportiva
começa a perder esse tempo, o fenômeno inverso pode apresentar múltiplas
causas. Desde burnout a outros interesses, passando pelas relações com
treinador e colegas. Hoje em dia há um fator novo que não existia quando eu
era adolescente: os pais. Obviamente todos tínhamos pais. Só que os nossos pais
não eram os principais patrocinadores do clube e muito menos eram tão
presentes, opinadores e invasivos como nós, enquanto pais, nos tornamos.
Estas são as principais causas de abandono precoce dos
atletas “mais talentosos”:
1.
Expectativas/Diversão– Em 2014 a Universidade de George Washington realizou
um estudo para saber o que leva os jovens a praticar desporto. A razão
número um foi: porque é divertido! Foi então pedido aos jovens para
identificarem o que é mais divertido no desporto e o que é menos divertido,
duma lista de 81 características. Segundo eles, “Ser divertido é: 1)
dar o melhor; 2) ganhar o respeito do treinador; 3) ter tempo de jogo; 4) jogar
bem como equipa; 5) ter boas relações com os colegas de equipa; 6) fazer
exercício físico; (…) 48) ganhar; 63) jogar em torneios; 66) fazer treinos
extra com outros treinadores; 67) ganhar troféus e medalhas; 73) viajar para
jogos; 81) tirar fotografias. Se os nossos jovens não se estão a
divertir, eles irão abandonar. É fácil percebermos isso pois enquanto adultos
também não nos envolvemos em trabalho voluntário na comunidade se não for
divertido. Cabe ao treinador criar contextos de superação constante de
modo a que os seus jovens atletas estejam permanentemente obrigados a dar o seu
melhor, logo, a divertir-se. Não a ganhar…
2.
Desrespeito– Nenhum adulto gosta de se sentir desrespeitado. Com
os jovens acontece a mesma coisa. No estudo referido acima (George Washington
University, 2014) os jovens questionados identificaram “As 5 principais
características de um Grande Treinador”: 1) Respeito e encorajamento; 2)
Referência positiva; 3) Comunicação clara e coerente; 4) Conhecimento do
desporto; 5) Bom ouvinte. Muitos pais e treinadores tratam os jovens
de forma duríssima de cada vez que eles cometem um erro. Muitas vezes de uma
forma bem mais dura do que aquela que admitiriam que um professor ou um patrão
usasse para consigo. Desde ralhetes em público, a castigos visíveis,
substituições, ausências de convocatórias. A cultura do castigo, venha ele do
treinador ou da bancada, é o que conduz muitos jovens ao abandono
precoce. Urge servir as necessidades, os valores e as corretas prioridades dos nossos rapazes e raparigas.
3.
Perda de
posse/controlo da experiência–
O que leva um adolescente a jogar mais de 10 horas por dia de videojogos? A
sensação de posse/controlo da experiência sem que esteja um adulto por perto a
escrutinar os erros e os resultado obtidos ou a exigir que faça assim ou
assado. Se no final de um jogo deres por ti a dizer ao teu filho: “hoje
marcámos 2 golos” ou “podíamos ter defendido melhor”, estás a roubar-lhe uma
parte significativa do prazer da experiência. A parte da posse e do controlo
que lhe conferem (ao jovem) importância. Se deres por ti na bancada durante o
jogo a gritar: “passa”, “corta”, “lança”, … idem. É simples, para nós adultos,
entender isto se pensarmos se gostaríamos de ter o chefe ao alto durante o
trabalho a dizer: “faz assim”, “não faças isso”, “faz daquela maneira”, “não,
assim não!”…
4.
Burnout– Atualmente é exigido aos jovens “mais talentosos”
cada vez mais participação com subidas de escalão, chamadas a seleções,
treinos extra de aprimoramento técnico, etc. Muitas vezes o resultado é o
burnout dos mais talentosos e o seu abandono precoce. Para reflexão: estaremos
a perder os nossos atletas mais talentosos por exigirmos demais deles demasiado
cedo?
5.
Pais– “É o meu pai. Ele adora-me e faz o melhor que sabe
para que eu me sinta bem. Mas ele não consegue parar de ser meu “treinador”! No
carro e na bancada. Em todos os jogos! Eu não me sinto tão bem em campo quando
ele está presente. E ele está SEMPRE presente! Seja nos jogos, nos treinos, nas
viagens… Até parece que isto é mais importante para ele do que para mim!”.
Infelizmente, este desabafo é muito mais comum do que pensamos. Todos nós
enquanto pais procuramos fazer o melhor para os nossos filhos. Frequentemente
acontece não sabermos demonstrar o nosso enorme amor da forma mais útil e que
mais os ajude.
O desporto é um mundo muito duro. Requer milhares de
horas de treino até que nos tornemos competentes no que optamos por fazer. Não
chega “lá acima” quem quer. Para além de muitos não o quererem, chega quem é
resiliente e se supera.
Compete aos treinadores a criação contextos de
superação permanente onde o respeito e o encorajamento sejam omnipresentes
porque isso é divertido! Os jovens não acham tão divertido viajar, tirar
selfies ou ganhar!
Cabe aos pais a adequação das demonstrações do seu
infinito amor pelos seus filhos para que estas se tornem úteis e fonte de
orgulho (não de vergonha) para os jovens descendentes!
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